terça-feira, 8 de junho de 2021

Dinâmicas Territoriais em Albergaria-a-velha

Albergaria-a-Velha: Evolução da malha urbana


Como se observa no anexo III.20, eram poucas as ruas que se podiam identificar no núcleo urbano de Albergaria-a-Velha, até ao séc. XVII. As vias existentes correspondiam, maioritariamente, aos eixos de ligação entre os lugares do Concelho e deste com as principais aglomerações urbanas vizinhas. A malha urbana assinalada nesta figura manteve-se praticamente inalterada até meados do séc. XIX. A via mais importante correspondia à antiga estrada real, com orientação aproximada norte-sul, desenvolvendo-se no eixo atualmente formado pelas ruas Comendador Augusto Martins Pereira, Dr. Nogueira Melo, Mártires da Liberdade, de Santo António, do Hospital, Dr. Alexandre Albuquerque e 1º de Dezembro. Este era o principal eixo da urbe e onde se concentravam os principais estabelecimentos comerciais. Nesta zona, em particular entre a Rua dos Mártires da Liberdade e a Rua do Hospital, existia uma maior densidade de arruamentos e edifícios, formando uma malha urbana mais densa, sendo a principal centralidade da urbe. É possível ainda identificar algumas vias de ligação aos lugares do Jogo, Cruzinha e Açores, entre as quais uma via que mais tarde daria origem às ruas da Lapa e Serpa Pinto, assim como uma via com orientação oeste-este, de ligação a Valmaior, atualmente a Rua Dr. Brito Guimarães.

As restantes vias existentes tinham por finalidade a ligação aos lugares vizinhos, como Assilhó, que nesta época constituía ainda um lugar autónomo da urbe, separado fisicamente do centro urbano de Albergaria-a-Velha. A ligação entre estes dois lugares processava-se unicamente através da Rua Gonçalo Eriz. Em Assilhó, o edificado concentrava-se a este da Ribeira de Albergaria, sendo este o seu núcleo mais antigo e onde surge uma maior densidade de ruas e vielas, assim como a Capela. A sudoeste deste lugar desenvolve-se uma via que permitia a ligação aos lugares situados a sul, entre os quais Frias, Alquerubim e São João de Loure. A ligação de Albergaria-a-Velha a Campinho e ao Sobreiro processava-se através do atual eixo formado pelas ruas Eng.º Duarte Pacheco e da Santa Cruz, sendo possível identificar uma nucleação mais evidente na confluência entre estas ruas e a das Cruzes, também já existente à época.

Na segunda metade do séc. XIX, iniciam-se os trabalhos de expansão da malha urbana, com a abertura de novas ruas, assim como a construção de alguns equipamentos, entre os quais o abastecimento de água e lavadouros. Após as necessárias expropriações de terrenos e casas, inicia-se a construção de um novo centro cívico, a Praça Nova, atual Praça Comendador Ferreira Tavares, onde se instalou mais tarde os Paços do Concelho. Daqui rasgaram-se novas ruas, como a Rua Castro Matoso, a Rua Miguel Bombarda e a Alameda 5 de Outubro. Atualmente, o quarteirão formado entre a rua dos Mártires da Liberdade, a rua do Hospital e a Praça Comendador Ferreira Tavares é considerado o Centro Histórico de Albergariaa- Velha. Como se pode observar na Carta Militar de 1945 (anexo III.21), a malha urbana manteve-se praticamente inalterada desde os primeiros anos desse século, sendo que as únicas alterações significativas foram a construção da Linha do Vale do Vouga e da correspondente estação, em 1910, na Alameda 5 de Outubro, a ligação desta à Rua Comendador Martins Pereira, através da Rua Serpa Pinto e do Serrado, a Avenida Bernardino Máximo de Albuquerque, na década de 30 do século XX, o prolongamento da Rua Marquês de Pombal, para nordeste, e a construção da N16, também na década de 30, fazendo o aproveitamento da ligação existente até Valmaior.

A dinamização decisiva da malha urbana acontece apenas a partir das décadas de 60 e 70, acompanhando a dinâmica populacional evidenciada pelo Concelho. Ainda na década de 60, procurando dar resposta ao crescente tráfego da EN1, que atravessava o lugar de Albergaria-a-Velha através das ruas Comendador Martins Pereira, Dr. Nogueira Melo, Mártires da Liberdade, de Santo António, do Hospital, Dr. Alexandre Albuquerque e 1º de Dezembro, causando graves constrangimentos ao ambiente urbano, é construída a variante de Albergaria. Esta localiza-se a nascente deste eixo, separando fisicamente a vila dos lugares do Jogo, Cruzinha e Açores. Ainda que, numa primeira fase, tenha criado alguns constrangimentos pelo corte que provocou em algumas ruas, acabou por se constituir como uma barreira ao crescimento desordenado da urbe em direção a nascente, delimitando o seu perímetro urbano, ao mesmo tempo que libertava as ruas referidas do tráfego regional, conferindo a estes arruamentos as características necessárias para desempenharem funções urbanas de cariz local.

Em 1968, inicia-se a construção do mercado municipal em  terreno anexo à Avenida Bernardino Máximo de Albuquerque, e na década de 1970 são construídas a Escola Preparatória  Conde D. Henrique e a Escola Liceal e Comercial (atual Secundária), em terrenos agrícolas não urbanizados (com a  exceção do bairro Napoleão, entretanto demolido) localizados a oeste da Linha do Vouga, numa encosta voltada a poente.  

Com a construção destes equipamentos de ensino, rasgaram-se novas vias que permitiram a sua ligação à urbe, entre as  quais a Rua Américo Martins Pereira e, alguns anos mais tarde, a Rua do Vale. Durante esta década, foi também projetado e deu-se início à construção do arruamento do vale localizado entre Assilhó e a Av. Bernardino Máximo de Albuquerque, e as novas escolas, criando-se uma nova zona habitacional denominada por Novos Arruamentos (das Escolas Técnicas). Esta nova configuração da malha urbana pode ser observada na Carta Militar de 1977 (anexo III.22). Nesta carta, observa-se que a urbanização nos lugares de Campinho, Sobreiro, Açores e Sr.ª do Socorro era ainda muito incipiente, restringindo-se à ocupação marginal das vias primitivas.

O desenvolvimento da malha urbana, adquirindo a configuração que se conhece hoje, acontece apenas no final do anos 80 e durante a década de 90 e seguintes. Em 1983, inicia-se a construção da Zona Industrial de Albergaria-a-Velha, a norte do aglomerado urbano. Em Albergaria-a-Velha, assiste-se a uma densificação da malha urbana, em particular nos Novos Arruamentos, tanto a nordeste, pela ocupação do vale, como a sudoeste, pela nova ligação a Assilhó, através da Av. 25 de Abril; e no eixo da Rua 1º de Dezembro/Rua Dr. Alexandre Albuquerque. Assiste-se também à abertura de novas frentes urbanas no setor sudeste, através de novas vias perpendiculares à Comendador Martins Pereira, entre as quais a Urbanização das Laranjeiras (construída no local do antigo parque desportivo da Alba), a Rua Padre Matos, a Rua Bernardino Correia Teles e a Rua do Vale, que adquire finalmente a configuração atual. Em Campinho, o edificado, que se concentrava no eixo primitivo das ruas Eng.º Duarte Pacheco, de Santa Cruz e Marquês de Pombal, começa a ocupar os terrenos agrícolas que o circundavam, tanto a oeste, pela ligação da Rua do Agro à Rua das Cruzes, e desta à Rua de Santa Cruz pela Rua da Carvoeira; como a este, pela ligação definitiva da Rua do Reguinho à Av. Afonso Henriques e pela construção, na última década, da urbanização de Santa Cruz; e a norte, pela ocupação dos terrenos situados a norte da Rua Marquês de Pombal e da Av. Afonso Henriques, facilitada pela abertura de novas vias de acesso à Zona Industrial. Em Assilhó, dada a exiguidade de espaço no seu núcleo original, a expansão da malha urbana ocorre a oeste da Ribeira de Albergaria, na zona designada como “Alto de Assilhó”, sem um padrão evidente de desenvolvimento e configuração. Na Sr.ª do Socorro, impulsionada pelo encerramento de uma unidade industrial que aí se encontrava, continua a ocupação linear da EM 556 através de moradias unifamiliares, não permitindo, desta forma, a criação de um núcleo urbano e de uma centralidade. No Sobreiro, a evolução da malha urbana acompanha a tendência histórica de ocupação linear da antiga N16. Nos restantes lugares, a evolução da malha urbana está condicionada à ocupação marginal e densificação das vias existentes, sem um padrão de desenvolvimento explícito ou programado.

"Dinâmicas Territoriais em Albergaria-a-velha"
João Pedro Bastos
Dissertação de Mestrado (2014)

http://hdl.handle.net/10316/26569

(pg. 121-124)

quinta-feira, 8 de abril de 2021

As mudanças que o 25 de abril trouxe a Portugal

Amaro Neves foi diretor do jornal Beira Vouga no período imediatamente antes e depois da Revolução dos Cravos. O Correio de Albergaria esteve à conversa com o professor para saber as principais mudanças que se registaram passados 41 anos depois da Revolução que marcou o país.

Correio de Albergaria (CA): De que forma Albergaria-a-Velha entrou na sua vida?

Amaro Neves (NA): Eu fui convidado para ir trabalhar para a Escola Preparatória de Albergaria talvez em agosto de 1970 e trabalhei lá 2 anos. Nessa altura, o mundo de Albergaria era um mundo muito fechado mas a Escola Preparatória era uma lufada de ar fresco.

Aí, contatei com o Diretor do Arauto de Osseloa e também com o Beira Vouga que tinha uma tiragem quinzenal. Entretanto, vim fazer o estágio ao Liceu de Aveiro para o ensino secundário e fiz o exame de estado. O diretor da Escola Preparatória de Albergaria na época foi residir para o Porto e terá deixado a indicação que eu podia ser o diretor. O Presidente da Câmara na altura, José Nunes Alves, chamou-me para conversar e convidou-me para assumir o lugar. Eu confesso que era muito novo, tinha 31 anos mas conhecia a escola e aceitei. Fiquei por lá, isto em 1973. Em 1974 deu-se o 25 de abril e todos os diretores foram exonerados.

CA: E como surgiu a ideia de se tornar diretor do Beira Vouga?

NA: Nessa altura, falava frequentemente com o Presidente da Câmara e um dia ele lançou-me o desafio de eu assumir a direção do jornal Beira Vouga. Em setembro, outubro ou novembro de 1973 eu aceitei. O atual diretor, Homem Ferreira era um indivíduo com quem tive muito boas relações de amizade. Tornei-me diretor oficial em fevereiro ou março de 1974.

CA: E sentiu os efeitos da PIDE?

NA: Eu já tinha colaborado com outros jornais, já sabia o incómodo da PIDE, já me tinham batido à porta duas vezes. Em Albergaria beneficiava de alguma liberdade concedida pelo Presidente da Câmara mas não podíamos abrir, diretamente, qualquer assunto para o jornal. Dávamos o destaque possível com algumas limitações. Deu-se o 25 de abril. Passados 3 ou 4 semanas começo a receber o jornal, já montado, vindo do concelho de revolução de Lisboa. O jornal vinha todo feito. Aí, começamos a ter alguns desacertos com o proprietário do jornal.

Após o 25 de abril, houve uma invasão de anarquia pelo país fora. Tudo aquilo que eram instituições com alguma estabilidade sentiram-se agitadas. Apareceu muita gente como pseudo intelectuais, candidatos a muitas coisas que sabíamos que nem tinham habilitações para tal. Foi uma onda terrível. Gerou o pânico. As pessoas começaram a viver numa situação de grande instabilidade. Naquele contexto, não quis manter-me no jornal. Os artigos, todos eles, contra aquilo que era o dia 24, os textos apareciam todos fabricados por gente que eu não sabia quem era, numa linguagem de acusação contra A, contra B e contra C à qual eu também não gostaria de me associar. Talvez em setembro, outubro de 1975 comuniquei que nunca mais voltaria ao jornal. Entendi que era insuportável.

CA: E atualmente, como vê o jornalismo em Portugal?

NA: Entretanto, entre outras coisas, fui coordenador e diretor de um curso de jornalismo. Tínhamos a preocupação de que houvesse princípios orientadores assentes no trabalho, no bom desempenho pessoal, não valorizávamos o crime nem aquelas situações que são, hoje em dia, motivo para figurar na primeira página. O crime, o boato, são coisas muito apetecíveis para a informação de hoje mas não tinham cabimento na altura.

Há jornalistas que eu admito que tenham uma formação dentro daqueles mesmos princípios embora, hoje, tenham dificuldade em cumpri-los e há muita gente que é chamada para o jornalismo sem ter formação. Hoje, a preocupação é muito mais em tiragens, às vezes folheio jornais e não vejo uma única noticia que me interesse do ponto de vista do enriquecimento cultural ou moral. Publicita-se a fraude da mesma forma que se publicita uma coisa boa, lado a lado. A informação hoje é mais virada para o vender.

Hoje não temos a PIDE mas era bom que houvesse um órgão regulador que retirasse a pressão e o controlo da informação que fazem para que, cada um, consciente do que representa a sua carta de jornalismo, pudesse assumir a defesa daquilo que escreve. Isso dava confiança a um bom jornalista e fazíamos bons profissionais.

A educação de hoje também não é a educação dos professores formados com rigor e dedicação. Isso, atualmente, perdeu-se. Eu acompanho a formação dos meus netos e vejo que as exigências e a própria escola no seu todo não se ajustou a uma sociedade que deve ser responsável preparando para o trabalho. Hoje importa ganhar bem, ter um bom carro. Não era essa a ambição na minha altura. Queríamos viver bem mas não podíamos ir muito além do que estava ao nosso alcance e sempre com legitimidade.

CA: Considera que o jornalismo impresso vive em ameaça?

NA: O jornalismo em papel não acaba, penso eu. Uma coisa é a informação de imagem, aquela momentânea e outra coisa é o jornal que, sendo credível, fica como referência e faz história. Não quer dizer que as outras imagens não possam fazer história mas, sabemos bem como é fácil manobrar uma imagem, criar uma situação de um faz de conta para captar a imagem. Se o jornalismo for sério, ele fica como marca e por isso quando queremos averiguar algum acontecimento de comportamento social ou de evolução social vamos aos jornais de referência e temos uma imensidão de informação mais ou menos credível.

Eu acho que um jornal regional podia conseguir afirmar-se e tornar-se de referência se for um jornal dentro dos padrões de seriedade. Atualmente, não se faz pesquisa, talvez não haja tempo para fazer pesquisa, talvez os jornalistas não tenham sido formados para pesquisar. Depois, os jornais assim, não se impõem. Há aqui, também, a situação das cadeias de jornais e portanto fazem-se duas ou três páginas regionais e o resto é comum aos outros jornais da mesma cadeia.

CA: A nível pessoal, quais as principais diferenças antes de 1974 e depois de 1974?

NA: Eu estava habituado a acreditar nas pessoas e sabíamos que havia gente séria. Às vezes, a própria palavra servia de garantia. Estava habituado a ver respeitado quem trabalhava e, depois do 25 de abril, foi tudo abanado. Hoje é a cultura do viver facilmente, se possível viver de rendimentos, se possível encostado aos pais ou aos avós ou a alguém que pague a fatura. Hoje, a adolescência prolonga-se até aos 30 anos. No meu tempo, aos 18 anos as pessoas eram responsáveis e tinham obrigação de trabalhar para viver. Hoje as coisas alteraram-se, a circulação entre tudo é muito mais fácil, não há barreiras nem fronteiras.

Correio de Albergaria, 06/05/2015

Dinâmicas Territoriais em Albergaria-a-velha

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